pois é, disciplinas + GRECOS + congressos + artigos geram uma demanda por leitura mais durona que praticamente vai me tirando o folêgo pros romances, biografias, contos, crônicas etc. E fico só sonhando com as férias. Mas vez por outra consigo dar uma soluçada e dar uma boa lida em alguma coisa aprazível, mesmo nesses meses atolados de outras leituras.
No início do semestre, tive o prazer de ler, apresentada pelo querido Lucas Waltenberg, a série policial sueca Millennium, de Stieg Larsson (Companhia das Letras). Os homens que não amavam as mulheres, A menina que brincava com fogo e A rainha do castelo de ar são os três volumes que compõem a trama de tirar o fôlego, que gira em torno mais especificamente de dois personagens sensacionais - o jornalista Mikael Blomkvist e a racker Lisbeth Salander. Sinceramente, num consegui parar de ler. E fazia tempo que um personagem jornalista num me parecia tão bacana, sem parecer cabotino ou cínico. Quase que deu pra eu me apaixonar pela profissão de novo. ;) O único problema, pelo menos pra mim, foi me acostumar com os nomes suecos, que me causam muito estranhamento (tanto os dos personagens quanto os dos lugares e instituições). Mas isso foi bem no comecinho, depois fluiu que foi uma beleza.
Li outros da série da ed. Contexto sobre nacionalidades: Os americanos, de Antonio Pedro Tota (legal) e Os espanhóis, de Josep Buades (chatinho). Sempre dá pra aprender alguma coisa, mas que diferença para o dos chineses, escrito pela Claudia Trevisan, sobre o qual já comentei aqui! Enquanto esse último era agradável, cheio de detalhes históricos, antropológicos, sociológicos, mas com texto leve e gostoso de ler, os outros dois que citei, talvez por serem escritos por historiadores de formação, são bem mais pesados, mais rasos em riqueza cultural, cansando mais o leitor com datas, nomes, feitos (de qualquer forma, o do Tota é mais agradável do que o do Buades, que ainda por cima, por ser espanhol, por vezes fica meio ufanista). Com mtas exceções, evidentemente, como vez por outra os textos produzidos por historiadores sobre temas interessantes acabam sendo malésimos de ler, né, não? Uma pena. Aí desanimei de ler sobre os japoneses e os italianos, que também comprei. Mas nas férias me motivo, prometo. PS minúsculo no fim do contrato: só se não forem chatos, se não quebro a promessa, hehe.
Semana passada, já meio no desespero, li as crônicas repletas de memórias da cantora Joyce, reunidas no livro Fotografei você na minha rolleyflex (RJ, Multiletra, 1997). Tava perdido aqui em casa, provavelmente comprado pela minha mãe, mas eu sempre tenho um pouco de preguiça com esse povo da bossa nova, aí nunca tinha lido. Olha, é legal, num é uma brastemp, mas diverte, é pitoresco, Joyce parece ser uma pessoa bacana etc. Gostei muito do capítulo sobre as "eras" de Vinícius de Moraes, que era como os amigos se referiam às diversas fases pelas quais ele passava na vida de acordo com a mulher com quem estivesse casado (e foram muitas!). Até fiquei interessada em reler os poemas dele a partir do contexto histórico das eras (para quem ele escreveu o quê?), quem sabe eu arranje um tempinho pra pesquisar isso? E me chamou a atenção no livro, talvez porque eu esteja centrada na temática da juventude, a saudade da Joyce dos seus vinte anos e da vida que se levava no Rio de Janeiro nas décadas de 60 e 70. Claro que ela não é a única, esse é um topos comum nas memórias e biografias que voltam-se para o período. Mas é interessante como a nostalgia encerra naqueles tempos toda a possibilidade de se viver bem, fazendo com que os períodos posteriores sejam um nada.
Maria Rita Kehl, em ótimo artigo sobre juventude (em que ela afirma que a mesma é um sintoma da modernidade), chama a atenção sobre o quanto as pessoas tendem a se referir a esse período mágico - em que se tem vinte anos de idade - quando utilizam a expressão "no meu tempo". O tempo da nostalgia, aquele que serve como referência, o tempo que figura como marco, é o dos 20 anos. Os demais são, de forma geral, um fora do tempo. Lembro disso quando penso na Beatriz Sarlo, em Cenas da vida pós-moderna, dizendo que o rock foi possivelmente o último desafio juvenil, lá na p. 35, desconsiderando todos movimentos juvenis de contestação posteriores (num será um "no meu tempo" que escapuliu? Talvez sim, considerando que ela nasceu em 1942 e o momento de efervescência do rock combina com os seus vinte anos).
E penso muito nisso também quando quando leio, no livro da Joyce, trechos como o da p. 127, quando ela diz estar se "referindo a coisas um pouco estranhas para este final de século [leia-se virada para 2000], como arte, criação e outras inutilidades". Ou, mais ainda, quando afirma que "talvez seja mais feliz quem ficou pelo caminho, sem presenciar o fim do sonho", na bela crônica "Experiências". O fim do "no meu tempo" não mata só a juventude da autora, mas o próprio sonho. E, se como afirma Norbert Elias, morrer é não sonhar, o fim da juventude, na contemplação nostálgica de Joyce e de tantos de nós, seria o fim da vida, embora ela siga, com suas outras fases e eras. Sei lá, prefiro a lição do poetinha, de que a gente vai recomeçando sempre, cada era com suas estrelas e sonhos.
Pra terminar, e sendo justa com a autora, vamos curtir o momento nostalgia de Joyce em uma música deliciosa, "Monsieur Binot":
Stieg Larsson é sensacional. Dentro do policial, que a Millenium é uma das séries mais sólidas já escritas, na minha opinião, e é de lamentar muito que o cara tenho falecido antes de terminar a série, que inicialmente teria dez volumes.
Valeu, fêssora.