Sobre o pronunciamento da presidente
Dilma, achei previsível. Se declarou favorável às manifestações democráticas e
pacíficas. Prometeu reprimir o vandalismo para restabelecer a ordem. Se mostrou
aberta ao diálogo. Prometeu pacto social. Sugeriu medidas para resolver alguns
problemas. Lembrou da importância de realizarmos uma copa ordeira e sem
incomodar os visitantes. Enfim, falou o que um chefe de Estado deveria falar
para acalmar a nação em um momento complexo e perigoso. Nesse ponto, tudo bem,
tudo certo. Era isso mesmo que precisava ser feito. Ponto para o governo.
Mas queria tecer algumas
considerações:
a) Acho lamentável que o governo
incorpore os termos “vândalos” e “baderneiros” constituídos estrategicamente
pela mídia hegemônica sem prometer investigação sobre quem seriam esses
sujeitos etc. Acho isso perigoso em termos de fechamento de sentido e
vergonhoso para um Partido com a história política do PT;
b) Acho lamentável falar-se em
democracia etc. e não se colocar uma só palavra sobre a ação das polícias. Isso
é uma omissão calculada e imperdoável, aí não só para uma presidente e um
partido com a história de ambos, mas para qualquer autoridade constituída. O
que as polícias estão fazendo nas ruas, como demonstram MILHARES de depoimentos
e centenas de imagens, é crime. E quando uma autoridade instituída se cala
sobre uma ação criminosa perpetrada pelo Estado ela é tão criminosa quanto. Já
tinha falado isso antes, em episódios como Pinheirinhos etc. Para mim,
sinceramente, isso é imperdoável. Não sei vocês, mas eu nunca esquecerei esse
silêncio;
c) Militei muito pelo PT. Votei nele
continuamente. Inclusive em todas as eleições do Lula e na da Dilma, por quem
inclusive fiz campanha aqui. Então me sinto totalmente livre para falar, porque
não sou anti petista, anti lula etc. Também não sou simplificadora, sei que é
incomparável o quanto o país avançou em alguns pontos em relação ao governo
FHC, e não tenho dúvida que o PSDB é MUITO PIOR para o país. Vejo ganhos sociais
óbvios para a democracia no bolsa família, na política de cotas, na área das políticas culturais (embora mais
nos governos lula), na ascensão econômica de alguns setores da população etc. Mas
isso não me torna cega e impossibilitada de criticar o que vejo de problemas no
governo do PT. Acho que se trata de um governo contraditório, com alianças
políticas imperdoáveis principalmente por sua história e pelo quanto elas são perniciosas
ao país (Cabral, Paes, Sarney, Collor, Renan etc.), com ações totalitárias
disfarçadas de democráticas (vide o que aconteceu na greve dos professores no
ano passado), que tem servido fortemente ao grande capital, que beneficia
banqueiros, mega empresários, grande corporações midiáticas e econômicas, que
abandonou sua juventude militante, que tem sido omissa em aspectos
imperdoáveis, como a violência policial, a falta de políticas públicas para
resolver de fato as questões de saúde e educação, combate à corrupção e outros
pontos complexos, como o crescimento da influência de setores particularistas e
sectários como bancada religiosa, bancada ruralista etc. nas decisões
políticas. Sim, neste sentido vejo que o PT trouxe ganhos para o país, mas
também retrocessos e permanências. E quero ter o direito de poder falar sobre
isso, sem maniqueísmos. E quero ter o direito de dizer que como militante deste
Partido me decepcionei profundamente com ele. Mas eu era mais jovem, agora sou
mais cascuda e isso também tem ganhos e perdas, sou mais cética e cínica, o que
me permite análises menos apaixonadas, mas para compensar mais tristes. É isso,
entendo politicamente boa parte das ações do PT, por vezes até as defendo porque
entendo melhor as regras do jogo, mas considero algumas imperdoáveis (a omissão
quanto à violência policial é uma delas) e me dou o direito de expressar minha
tristeza com essa desilusão. Me sinto muito triste porque no poder o PT não foi
o partido que alimentou meus sonhos de juventude.
d) Por fim, mesmo com o parágrafo
anterior, sei que política é isso mesmo. Tem movimentos, concessões e
negociações complexas e escorregadias. Assim sendo, voltarei à fala da Dilma
ontem. Acho que o PT, mestre histórico pela experiência acumulada nos
movimentos sociais e nessa década de poder instituído, sabe como poucos
partidos faturar em cima da pauta dos movimentos sociais. Acho que o
pronunciamento de ontem mostra isso claramente. Questões como pacto social,
plano de mobilidade urbana, projeto dos cem por cento do petróleo para
educação, proposta de trazer médicos cubanos para o país, os gastos com a copa
etc. já estavam em jogo, despertando polêmicas justas porque são
contraditórios, mostram muitas vezes um empenho de agradar o capital, em outras
se mostram de fato projetos para melhorar condições sociais. Enfim, projetos
complexos, que precisariam de maior debate social. Só para citar um exemplo: os
cem por cento para a educação. Que educação? A pública, que continua sucateada
apesar de discursos e programas como o REUNI? Ou a privada, que tem sido
muuuuuito privilegiada nos últimos tempos? E como ficam os municípios que
sofrem diretamente o impacto da exploração do petróleo? Não serão indenizados
para que possam tentar mitigar esse impacto? Então, precisamos discutir isso, como muitos
têm sinalizado. Agora, quando a presidente coloca esta fala em um discurso
apaziguador, em meio a uma tensão social ansiosa e aparentemente explosiva, me
parece uma clara estratégia de faturar em cima dos acontecimentos, forçando uma
aprovação emocional à proposta a partir do clamor popular. PT é uma raposa
velha no campo político, sabe como poucos faturar em cima de episódios de forte
impacto midiático. Repito: assim como na greve dos docentes universitários do
ano passado, o partido silenciou primeiro, depois deslocou a pauta, contou com
a expressiva fala da grande mídia fechando os sentidos e conquistando a opinião
pública, prometeu diálogo, fingiu dialogar e nunca dialogou e depois aprovou o
que quis. Rolo compressor sim, às custas de luta nas ruas/universidades, mídia
hegemônica a favor e artimanhas políticas e discursivas. Não considero isso uma
novidade nem uma surpresa, acho que faz parte do jogo político e considero que
o PT é um mestre nesse tipo de jogo. Por isso disse que era previsível. Sobre
essa parte nem me decepcionei nem fiquei triste, acho que é isso mesmo, faz
parte da luta política faturar em cima dos episódios. E temos de reconhecer:
esses caras são bons nisso.
e) Além disso, é preciso também
estar atento a artimanhas que poderiam favorecer ações golpistas. Isso, obviamente,
não podemos tolerar. Neste sentido, fechamos com o PT, como fecharíamos,
democraticamente, com partidos eleitos dentro do jogo democrático. Mas isso
também não nos impede de perceber que esse tipo de ameaça e pressão também é ambígua,
porque se por um lado nos obriga a rechaçar ações e atitudes golpistas, também
permitem que o partido forcem uma aprovação temerosa a suas propostas, visando
fortalecer o poder instituído. Neste sentido, o medo de golpe que ameaça também
permite que se fature sobre ele.
f) Enfim, agora bora cobrar as
promessas etc. Mas elas não são novas, né? Já eram de campanha etc. Mas nem por
isso acho que as mobilizações não têm ganhos. Sobre isso, falei no post
anterior, e tá tudo no meu blog pra quem quiser acompanhar meu argumento todo.