Karina Limeira Brandão, mais conhecida como anaenne:

Acabo de assistir ao discurso de despedida de Ronaldo, o "fenômeno". Vou começar por esse ponto: a mídia/os empresários/os publicitários, alguém bem criativo e malandro, criou esse termo de referência para ele, como justificativa de seus feitos (talento nato, selecionável muito jovem, gols de placa, títulos, ida precoce para o estrangeiro etc.). Pronto, a partir daí, a cobrança em cima do cara passou a ser "fenomenal" também.

Olha, como atleta Ronaldo me deu muitas alegrias. Torci por ele, lamentei suas contusões, senti pelo seu drama. E ponto. Nunca tive envolvimento emocional com essa história para além do de uma torcedora.

Acho sim, como muita gente boa, que nos últimos anos ele num tava jogando nada, que era muita grana em jogo pra pouco futebol, que o esporte está contaminado cada vez mais pela lógica do consumo e do mercado (razão, inclusive, por um desencantamento pessoal com todas as modalidades esportivas, mas isso deixo para outro post e é problema meu). Acho, inclusive, que seria bom que isso fosse mais discutido. Mas neguinho acho isso normalzão. Acha super tranquilo empresário faturar com a imagem de atleta e artista; publicitário ficar milionário às custas desse mercado imagético; cartolas enriquecerem explorando e sugando seus atletas; a mídia confeccionar um império de mercado e espetáculo para faturar em cima dos caras... isso, tá tudo mt bem, tá td mt bom, quem num quer, né não? (esse é o tal do senso comum, mas eu respondo candidamente: tem gente que num quer não, preferia o velho esporte amador, ó euzinha com a mão levantada).

Mas nesse mundão de gente faturando mt e alto às custas da imagem do atleta, tem alguém q num merece perdão: o próprio. Se estiver em baixa na carreira (problemas com drogas, crise familiar, doença pessoal ou na família etc., tudo isso pouco importa), vai ser massacrado; é gordo? vixe, massacre com requintes (mesmo o cara tendo doença cardíaca e precisando parar, ou hipotiroidismo de hashimoto, doença hormonal q impede mesmo o cara de emagrecer). Afinal, nada melhor do que um gordo pra sanha preconceituosa das piadas e dos constrangimentos ser acionada. e ai do gordo se reclamar: não tem bom humor e merece ser massacrado ainda mais; mas tem pior: e se o cara for gay ou tiver escolhas pessoais complexas? tipo amigos na favela ou ir pra um motel com travesti? VIXE, AÍ QUE O MASSACRE É SÁDICO. Num tem perdão. Todo o estoque de moralismo, hipocrisia, ignorância, intolerância vem à tona, e consagrado pela máxima: é só piada.

Mas tem algo ainda pior, eu juro: se o cara for pobre e tiver vencido na vida com aquele talento, tendo ganho muito dinheiro com aquilo. Aí, num tem perdão: a matilha baba pela derrocada, se deleita com o momento da queda, com a possibilidade de pisar, massacrar, destruir. Olha, sei q é complexo, é muita desigualdade social, que é triste um cara ganhar um milhão e cacetada por mês e professor, médico, policial estar ganhando 700 paus. Sem falar no salário mínimo. Mas por favor, não venham me dizer q a solução pra isso é cair de pau na ponta do iceberg, que é o cara q tá lá jogando seu futebol e ganhando essa grana toda. Porque vamos deixar de ser otários: se ele tá ganhando isso, o sistema que o mantém e alimenta está ganhando MUITO, MAS MUITO MAIS.

Mas as pessoas preferem sempre o mais simples, o óbvio, o mais rasteiro. E me choca isso lá na minha TL do twitter, porque é povo que supostamente tem posição de esquerda, protesta, tá na batalha da vida por um mundo digno. Vou lembrar: num existe mundo digno com preconceito contra gordo, massacre contra o pobre que ascende, tolerância com os exploradores de colarinho branco que não aparecem, hipocrisia contra travestis... e, principalmente, mas principalmente mesmo, não existe mundo digno quando se faz QUALQUER PIADA com doença, seja ela possivelmente verdade ou não. Isso é muito triste, não tem graça, devia envergonhar quem faz.