Karina Limeira Brandão, mais conhecida como anaenne:
Toda vez que estou em algum congresso com alguém apresentando trabalho sobre jornalismo e representação, discurso etc., vira e mexe vem um santinho querendo novamente discutir se existe a tal da objetividade jornalística ou não. Isso depois de uma penca de estudos, todos de altíssimo nível, que já destruíram essa construção retórica e conveniente. Definitivamente: a questão do olhar subjetivo no jornalismo não é mais hipótese, é premissa. E fim de papo. Se não, a gente não avança nas discussões e fica o tempo todo desconsiderando esforços importantes no campo da pesquisa sobre o tema.

Tudo isso pra dizer o seguinte: defender posições preconceituosas, racistas, homofóbicas, sexualistas, classistas, discriminatórias etc. não é direito de opinião. É crime. E é crime porque já avançamos no campo das conquistas dos direitos ao criminalizar práticas que agridam, desrespeitem o princípio da igualdade, criem dor e ódio. O caso recente do Bolsonaro é exemplar neste sentido (para saber mais e para ler uma resposta digna e indignada, leia esta carta aberta). Não é possível tolerarmos mais essas falas. Não são polêmicas, são criminosas. Definitivamente, é premissa: NÃO É JUSTO REIVINDICAR DIREITO LIBERAL DA LIVRE EXPRESSÃO PARA PRÁTICAS TOTALITÁRIAS E DISCRIMINATÓRIAS. Isso não é democrático, é retrocesso e deveria ser combatido, não tolerado em nome de um princípio liberal conveniente e muito menos incentivado.

Acabei de ler Entre os vândalos - a multidão e a sedução da violência, magistral trabalho jornalístico/antropológico do norte-americano Bill Bulford (Companhia das Letras) . Nele, o autor faz uma imersão entre grupos de torcedores ingleses, para alguns simplesmente "os hoolingans", mas como demonstra o livro, algo muito mais complexo. É um livro petrificante. Choca do início ao fim. E mostra claramente no que dá a tolerância com discursos totalitários e preconceituosos. Quando se convertem em prática, linguagem em ato, eles são revestidos de uma violência incontrolável. Abre o olho, minha gente. Os Bolsonaros criam esse mundo assustador.
Karina Limeira Brandão, mais conhecida como anaenne:

A outra relíquia é essa matéria, de 22 de março de 1992, sobre o descaso com a memória da cidade e a demolição de casarões antigos para dar lugar a prédios. Olha que naquele momento a preocupação era só cultural, porque nem poderíamos imaginar o que aconteceria com o trânsito e a qualidade de vida de Niterói depois da explosão imobiliária (esse será o tema de um post caprichado, dentro da série "Acorda Niterói". Mas, por agora, recomendo a leitura do ótimo blog DesabafosNiteroienses).

O começo da matéria é realmente um pequeno indício do que ainda estava por vir: "A memória de Niterói vem sendo demolida a golpes de pás e picaretas". Hoje, eu escreveria o mesmo, mas substituiria "a memória" por " a vida". Que triste!
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Karina Limeira Brandão, mais conhecida como anaenne:

Fuxicando aqui no meu escritório, ainda na arrumação da década, quiçá do século, achei mais duas relíquias, ambas matérias que fiz quando era repórter do Globo Niterói, nos inícios dos 1990.
Posto aqui a primeira delas, sobre o desaparecimento de bares tradicionais da boêmia niteroiense, em uma espécie de premonição do que viria acontecer depois, com a extinção de praticamente todos os velhos e bons redutos da noite de Niter (que já rendeu esse post aqui no Baiúca). A data? 30 de julho de 1989.
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Karina Limeira Brandão, mais conhecida como anaenne:

Essa tirinha genial dos Malvados, do André Dahmer, tb tinha guardado pra colocar nos primeiros posts do Baiúca. Portanto, não sei bem de quando é, mas o jornal aqui já tá bem amareladinho, deve ser de uns 5 anos atrás, por aí.

Mas pensando nos recentes acontecimentos, de fim de 2010, no Rio de Janeiro, como é atual, né?
Karina Limeira Brandão, mais conhecida como anaenne:
Nesse post aqui, contei a história do mito de origem desse blog: a vontade de resmungar sobre uma notinha surreal que tinha lido, há muitos anos, num jornal local de Niterói. Mas lamentavelmente, eu dizia no post, tinha perdido o jornal com a tal nota.

E eis que agora, arrumando meu escritório finalmente, achei o tal jornal perdido em uma gaveta. Trata-se de uma edição de março de 2004 do Correio Oceânico, que nem sei se existe mais.

Pois lá na penúltima página, esperando por mim, está a tal nota (num vou dizer quem assina porque já passou mt tempo e pode num ser justo). Mas vou reproduzir aqui, como uma homenagem a meu mito de origem fundador do Baiúca, isso lá nos idos de 2004. :)))

E vai a pérola (e vou até me abster de coments mais profundos, pq nem precisa. Mas só uma pequena dica: reparem no título):

"Reflexão.
A quem diga que não é certo o racismo, preconceitos e tentativas de subornos. Pois são os próprios que praticam tais atos é que os pregam em forma diferente. O pior é que essas pessoas andam coladinhas na gente, que vergonha!".

Só tenho uma coisa a dizer: hahahahahahahaahahahahahahahahaha!

Adorei ter achado essa relíquia. :) Agora sim, o Baiúca do Baudelaire está oficialmente fundado!
Karina Limeira Brandão, mais conhecida como anaenne:
Em homenagem à minha amiga querida Xu, que se indignou com o post com q inauguro esta série (hahaha, a dos cabelos brancos), mais uma sobre as descobertas da meia-idade e nossa indignação diária com o tal do passar do tempo. Episódio de hoje:

VISTA CANSADA
!

Vou te falar, tanto ou mais ódio do que os cabelos brancos. Esse negócio de num conseguir ler as letrinhas, num ler mais bula, num ler mais de perto, ter que ficar trocando de óculos, tirando óculos, cara, mas que inferno! E é de repente. No dia anterior, vc enxerga q é uma beleza. Um dia vc acorda, e sua vista já te transformou simbolicamente num velhinho do século passado.

Bem, pelo menos essa mudança física é uma unanimidade. Todos os meus amigos quarentões ou perto disso ou um pouco acima disso reclamam muito dessa tal praga de vista cansada. Outro dia, num restaurante, vários de nós tentamos resolutamente ler o cardápio, passando de mão em mão, de vista em vista, até que resolvemos jogar a toalha e pedir a ajuda de uma amiga mais nova, nos seus trinta anos felizes. Ela leu, mas foi envolta num ódio coletivo, que vou te contar, hahahaha.

Bem, tem o tal do multifocal. Mas dá um trabalho... Tem gente que usa lupa. Mas derruba tanto a auto-estima... por agora, sigo no troca-troca dos óculos pra perto e pra longe, como vi minha avó e pais tantas vezes fazerem. É a tal da vida, num é isso? mas alguém lá em cima tinha que ver isso aeh!
Karina Limeira Brandão, mais conhecida como anaenne:
Terminei de ler a biografia de Lobão, Cinquenta anos a mil, escrita por Lobão com Claudio Tognolli, com edição de 2010 da Nova Fronteira (aliás, que edição mais descuidada, vou te falar! Tem erro de impressão, coisas mal corrigidas, enfim, livro caro q merecia mais esmero editorial). Ganhei de presente de minha amada amiga Xu nessa fase complexa e me distraiu horrores.

Primeiro coment: li no FB coment de alguém (é público, né?) dizendo que alguém tinha lido essa biografia e concluído que Lobão não tinha nada para contar. Oi?

Bem, nem preciso dizer q acho de uma arrogância super vc ler a vida de alguém e achar q a pessoa num tem nada pra contar. Eu tenho realmente muito espírito de antropóloga, tenho q confessar. ;) Toda vida humana me interessa, sempre.

Mas nesse caso a afirmação é bem esquisita. O cara tem uma vida cheia de peripécias, é um sujeito complexo, tem uma relação familiar bem confusa, a mãe se suicida, ele tem experiências fortes com doença, remédios, coisas mágicas, drogas, criação etc. e a pessoa conclui que ele num tem nada pra contar??? Vou te falar, num entendo esse povo, não.

Mas vamos aos coments sb o livro em si: gostei bem. Num é uma brastemp de bem escrito (e a edição porquinha num ajuda mt). Mas que personagem! Bem fascinante mesmo. Realmente, cinquenta anos a mil, eis um título!

O que mais me impressionou, no entanto, não foram as peripécias de Lobão, e olha que não são poucas! Mas ter no livro mais um exemplo, e um dos mais eloquentes, de como o Estado pode agir, através de seus mais diversos tentáculos institucionais, e marcar sujeitos sociais não convencionais com seus ferros mais duros. A passagem acerca da prisão de Lobão, os processos posteriores, a ação da polícia em seus shows, a cobertura da mídia acerca de suas falas e ações mostram claramente um contínuo de arbitrariedades e clima inquisitório, que faria um sujeito mais ajustado balançar, imagina um que já vinha de um histórico familiar e de vida meio desequilibrado...

Na passagem em que narra sua condenação por porte de drogas, mesmo sendo réu primário e ter sido preso com uma quantidade pequena de entorpecentes, vale destacar a fala do juiz que o condenou"(...) o acusado, mesmo sendo tecnicamente primário, já registra antecedentes, não tem boa personalidade, nem conduta social" (p. 333). Ou seja, sua condenação deve-se, como se vê, principalmente a seu comportamento "não ajustado", embora não criminalizável.

Gostaria de destacar especialmente esse trecho: "E tudo isso iria pesar sobremaneira na apelação da sentença, que receberia um parecer contrário, pois o procurador (...) alegou em seu parecer ter lido uma entrevista minha concedida ao Jornal do Brasil, na qual dizia ter mantido uma relação incestuosa com minha mãe e ter dado a maior força para ela se suicidar. Simples, né? Para o emérito procurador, eu seria um "portador de uma conduta social desajustada e de personalidade deformada", e ele ainda elogiou a sentença do juiz (...), definindo-a como "correta e minuciosa", graças aos meus maus antecedentes e péssima conduta"."(p. 350).

Sabe o que me lembrou? O Estrangeiro, do Camus. Principalmente porque, neste livro, pesa sobre o acusado, tanto ou mais do que a história do crime em si, suas atitudes "estranhas", como não chorar no enterro da mãe, sair toda hora para fumar, ir numa piscina pública no dia seguinte ao enterro... Me lembrou também Pureza e perigo, de Mary Douglas, e as reflexões de Bauman sobre os impuros e indesejáveis. Num sei, se rolar paciência transformo esse post num artigo acadêmico. Mas já deixo plantadinha aqui a semente da reflexão.