Karina Limeira Brandão, mais conhecida como anaenne:
Em homenagem à minha amiga querida Xu, que se indignou com o post com q inauguro esta série (hahaha, a dos cabelos brancos), mais uma sobre as descobertas da meia-idade e nossa indignação diária com o tal do passar do tempo. Episódio de hoje:

VISTA CANSADA
!

Vou te falar, tanto ou mais ódio do que os cabelos brancos. Esse negócio de num conseguir ler as letrinhas, num ler mais bula, num ler mais de perto, ter que ficar trocando de óculos, tirando óculos, cara, mas que inferno! E é de repente. No dia anterior, vc enxerga q é uma beleza. Um dia vc acorda, e sua vista já te transformou simbolicamente num velhinho do século passado.

Bem, pelo menos essa mudança física é uma unanimidade. Todos os meus amigos quarentões ou perto disso ou um pouco acima disso reclamam muito dessa tal praga de vista cansada. Outro dia, num restaurante, vários de nós tentamos resolutamente ler o cardápio, passando de mão em mão, de vista em vista, até que resolvemos jogar a toalha e pedir a ajuda de uma amiga mais nova, nos seus trinta anos felizes. Ela leu, mas foi envolta num ódio coletivo, que vou te contar, hahahaha.

Bem, tem o tal do multifocal. Mas dá um trabalho... Tem gente que usa lupa. Mas derruba tanto a auto-estima... por agora, sigo no troca-troca dos óculos pra perto e pra longe, como vi minha avó e pais tantas vezes fazerem. É a tal da vida, num é isso? mas alguém lá em cima tinha que ver isso aeh!
Karina Limeira Brandão, mais conhecida como anaenne:
Terminei de ler a biografia de Lobão, Cinquenta anos a mil, escrita por Lobão com Claudio Tognolli, com edição de 2010 da Nova Fronteira (aliás, que edição mais descuidada, vou te falar! Tem erro de impressão, coisas mal corrigidas, enfim, livro caro q merecia mais esmero editorial). Ganhei de presente de minha amada amiga Xu nessa fase complexa e me distraiu horrores.

Primeiro coment: li no FB coment de alguém (é público, né?) dizendo que alguém tinha lido essa biografia e concluído que Lobão não tinha nada para contar. Oi?

Bem, nem preciso dizer q acho de uma arrogância super vc ler a vida de alguém e achar q a pessoa num tem nada pra contar. Eu tenho realmente muito espírito de antropóloga, tenho q confessar. ;) Toda vida humana me interessa, sempre.

Mas nesse caso a afirmação é bem esquisita. O cara tem uma vida cheia de peripécias, é um sujeito complexo, tem uma relação familiar bem confusa, a mãe se suicida, ele tem experiências fortes com doença, remédios, coisas mágicas, drogas, criação etc. e a pessoa conclui que ele num tem nada pra contar??? Vou te falar, num entendo esse povo, não.

Mas vamos aos coments sb o livro em si: gostei bem. Num é uma brastemp de bem escrito (e a edição porquinha num ajuda mt). Mas que personagem! Bem fascinante mesmo. Realmente, cinquenta anos a mil, eis um título!

O que mais me impressionou, no entanto, não foram as peripécias de Lobão, e olha que não são poucas! Mas ter no livro mais um exemplo, e um dos mais eloquentes, de como o Estado pode agir, através de seus mais diversos tentáculos institucionais, e marcar sujeitos sociais não convencionais com seus ferros mais duros. A passagem acerca da prisão de Lobão, os processos posteriores, a ação da polícia em seus shows, a cobertura da mídia acerca de suas falas e ações mostram claramente um contínuo de arbitrariedades e clima inquisitório, que faria um sujeito mais ajustado balançar, imagina um que já vinha de um histórico familiar e de vida meio desequilibrado...

Na passagem em que narra sua condenação por porte de drogas, mesmo sendo réu primário e ter sido preso com uma quantidade pequena de entorpecentes, vale destacar a fala do juiz que o condenou"(...) o acusado, mesmo sendo tecnicamente primário, já registra antecedentes, não tem boa personalidade, nem conduta social" (p. 333). Ou seja, sua condenação deve-se, como se vê, principalmente a seu comportamento "não ajustado", embora não criminalizável.

Gostaria de destacar especialmente esse trecho: "E tudo isso iria pesar sobremaneira na apelação da sentença, que receberia um parecer contrário, pois o procurador (...) alegou em seu parecer ter lido uma entrevista minha concedida ao Jornal do Brasil, na qual dizia ter mantido uma relação incestuosa com minha mãe e ter dado a maior força para ela se suicidar. Simples, né? Para o emérito procurador, eu seria um "portador de uma conduta social desajustada e de personalidade deformada", e ele ainda elogiou a sentença do juiz (...), definindo-a como "correta e minuciosa", graças aos meus maus antecedentes e péssima conduta"."(p. 350).

Sabe o que me lembrou? O Estrangeiro, do Camus. Principalmente porque, neste livro, pesa sobre o acusado, tanto ou mais do que a história do crime em si, suas atitudes "estranhas", como não chorar no enterro da mãe, sair toda hora para fumar, ir numa piscina pública no dia seguinte ao enterro... Me lembrou também Pureza e perigo, de Mary Douglas, e as reflexões de Bauman sobre os impuros e indesejáveis. Num sei, se rolar paciência transformo esse post num artigo acadêmico. Mas já deixo plantadinha aqui a semente da reflexão.