Karina Limeira Brandão, mais conhecida como anaenne:
Essa fase mágica tá bem poderosa mesmo. Depois do episódio do Hemingway, que narrei no post anterior, agora teve outro momento bem místico mesmo, na viagem pra Salvador/Bahia, nesse Enecult 2015.
Antes deixa eu explicar: amo Salvador, amo muito. Há anos vou pelo menos uma vez por ano pra lá. Me sinto em casa. Respiro bem. Acho linda. Esse ano fiquei meio triste, tá bem gentrificada, enquanto aquela gente não destruir a velha cidade amada não vai sossegar. Mas é sempre um lugar forte, que me marca e me dá sorte. E esse ano não foi diferente!
Começou assim: levei para a viagem meu mp3 velho de guerra. Sempre escuto as músicas na ordem em que coloquei nas pastas, meu ascendente em virgem é metódico e chatinho. Mas nessa viagem, como já tava meio enjoada das sequências, pois não mudo o repertório no mp3, em que cabem 200 músicas no máximo, desde abril, resolvi deixar no shuffle, no aleatório lá do mp3, pra pelo menos ter surpresa. Eis que, aleatoriamente, quando o avião começou a baixar, assim que o comandante avisou: "tripulação, pouso autorizado", começa a tocar aquela música linda dos Doces Bárbaros: "Com amor no coração / preparamos a invasão/ cheios de felicidade / entramos na cidade amada".
Isso na hora de pousar! Me senti muito poderosa! Adorei a coincidência, achei auspicioso. :) E como foi...
Os dias se passaram, tudo muito bom. Falei muito de antigas viagens para lá com os compas que me fizeram cia. Lembrei especialmente de uma amiga amada, que estava afastada de mim há alguns anos, de quem sentia imensa falta, mas com quem não estava conseguindo contato, e já não sabia mais como resolver esse afastamento.
Eis que no aeroporto para a volta, numa aleatória manhã de segunda-feira, estou lá na fila pra despachar a mala quando escuto a voz dessa minha amiga, que não mora em Salvador, era a mais forte e estranha coincidência possível. O arbitrário desse encontro, comigo exclamando: "mas eta que destino! Salve a Bahia! Obrigada, Salvador!", quebrou qualquer encantamento de mal-estar. E foi um reencontro tão lindo e esperado por mim, que jamais esquecerei. Obrigada, Bahia, orixás todos, obrigada cidade amada!
Entrei no avião ainda emocionada, parecia criança premiada. Coloquei o mp3, tomei o remedinho, tava lá no shuffle novamente, tocando as músicas aleatoriamente. E na hora exata em que o avião decolou, exatinha, começou a tocar novamente a música dos quatro baianos porretas, e eu fiquei tão pasma que coloquei no ouvido de Lid pra ter testemunha, porque era muito bom ter chegado e partido ouvindo, sem querer, por absoluta obra do destino, aquela música que homenageia a cidade velha e amada, a que me permitiu o reencontro e a leveza. Viva a Bahia! Viva Salvador! Cidade ainda mais amada.
Mas que essas coincidências estão demais, ah, estão... ;)


Karina Limeira Brandão, mais conhecida como anaenne:
Já tinha achado engraçado estar no Louvre vendo as pinturas holandesas do século XVII (Rembrandt, van Dick, van Goyen, Vermeer e essa turma toda) no mesmo momento em que estava terminando de ler "O Pintassilgo", de Danna Tartt, que eu havia começado semanas antes de viajar, cuja história se passa exatamente em torno de um quadro de um dos nomes desse período, Fabritius, fazendo com que vários dos nomes e quadros que agora eu via pessoalmente fossem citados e comentados. Mas fiquei emocionada com a coincidência, deu um sabor especial a minha visita ao Louvre e fim de papo, não achei nada a mais, só um acaso legal.
Mas aí veio a história do Hemingway. Antes de contar, queria agradecer à Flora por ter me enviado a linda crônica de Caio Fernando de Abreu em que ele explica como, em Paris, graças a uma coincidência cósmica, ele se conectou definitivamente à grande artista Camille Claudel (quer ler a crônica? Clique aqui). Pois bem, Flora me mandou essa crônica quando eu já estava meio abismada com algumas coisas estranhas em relação a Hemingway e Paris, e ler o texto do Caio acalmou meu coração, porque a vida tem mistérios que nossa vã filosofia jamais explicará, né?
Vamos ao meu mistério pessoal. Cheguei em Paris, cidade em que jamais havia pisado, e me deixei ser conduzida pela minha anfitriã Danic, que gentilmente estava nos hospedando. No primeiro dia ela nos levou em alguns pontos turísticos (catedral, Île Saint Louis etc.), mas o que amei mesmo foi o Jardim de Luxembourg, onde comemos um sanduba e uma tortinha deliciosa. Por mim passava o dia no jardim, ao qual prometi retornar outras vezes. Inclusive existe lá um busto do querido Baudelaire, que apadrinha esse blog, com quem aprendi muito sobre minha arte preferida que é a de flanar (isso também vai merecer outro post).




No segundo dia de viagem, ela nos levou até à rua Mouffetard, parte sul do Quartier Latin, rua muito interessante de comércio árabe, mansardas, passagem estreita e fora do circuito turistão consagrado. Rodamos por lá rapidinho, gostei bastante, e fomos almoçar na Mesquita e passear no Jardin des Plantes, tudo lindo e maravilhoso.







De lá, Dani e uma turma resolveram seguir para outro lugar, e eu e Lid resolvemos retornar para a Mouffetard, queria ver mais a rua, tinha simpatizado muito. Rodamos por lá com calma, paramos num bar pra tomar cerveja (ela) e mojito (eu), passamos por uma pracinha linda, Place de La Contrescarpe, que me deixou encantada, e seguimos por uma rua também estreita, rua Descartes, com uma série de bares e restaurantes dos mais diversos. Quando passei em frente de um deles, de cor predominante verde, simpatizei profundamente e decidi que em outro dia voltaria lá para almoçar. Comentei com Lid e ponto.




Para chegar no jardim de Luxembourg, onde tomaríamos o metrô, caminhamos aleatoriamente por algumas ruas, meio no sexto sentido, eu dizendo "vamos por aqui, agora dobra ali". Passamos por uma igreja muito bonita, Saint-Étienne-du-Mont, passamos por outra igreja menor, onde Woody Allen gravou cenas de "Meia-noite em Paris" e desembocamos na Praça do Pantheon, tudo meio por acaso, sem consultar mapa, seguindo a intuição.


 Quando chegamos no Boulevard Saint-Michel, cerca de 20h, ficamos procurando um café para ficarmos um pouco, mas nada nos agradou muito. Sugeri então pra Lid voltarmos à simpática pracinha, que não era exatamente pertinho, mas ela topou. Resolvi ir por outro caminho, também aleatório, confiando novamente numa intuição, e chegamos mais rapidamente à rua Descartes e a praça de Contrescarpe, onde ficamos até umas 22h nos deliciando. Retornamos andando para o Pantheon e me prometi que até o fim da viagem voltaria àquele lugar, com o qual havia simpatizado profundamente, e almoçaria no simpático restaurante verdinho.
Pois bem, a semana foi passando, Paris se apresentando, fui conhecendo lugares lindos, monumentos inesquecíveis, tudo maravilhoso. Mas seguia considerando aquele trecho Mouffetard/Place de Contraescarpe/Rua Descartes meu preferido até ali. Também ao cabo desta semana terminei enfim "O Pintassilgo" (sobre o qual farei um post caprichado depois) e fui escolher, em meios aos trinta livros que havia salvado no kindle para levar para as férias (exagerada e prevenida, quem nunca?), um para ler. O primeiro em que bati o olho foi "Paris é uma festa", de Ernest Hemingway, e falei: "taí, vai ser legal ler esse aqui, agora".
Num tenho muita intimidade com Hemingway. Li e amei "O sol também se levanta". Não li os outros consagrados. Sei que ele morou e escreveu em Paris nos anos 20 porque vi em filmes e em outros livros que havia lido, mas nada demais. Então, comecei a ler sem muitas expectativas.
Aí já no primeiro capítulo começo a ficar levemente impressionada. Hemingway morou exatamente nos arredores da Place de Contrescarpe, que amava. Tinha um quarto com a esposa na Cardinal Lemoine, bem na divisa com a Praça, e alugava outro só para escrever na rua Descartes. E amava a Mouffetard. Ele conta, numa passagem do livro, que conversando com Sylvia Beach, dona da livraria Shakespeare and Company, que ficava na rue de l'Odéon, não muito longe de onde Hemingway morava, que ela não conhecia aquela parte de Paris, era uma zona mais pobre, boêmia e periférica de Paris (hoje já bem mais turística). Ele conta também que para ir de sua casa ao jardim de Luxembourg, seu outro lugar preferido (outra coincidência) ou para a casa de Gertrude Stein, que ficava na rua de Fleurus, bem próxima ao Jardim, ele optava por um caminho alternativo. E quando ele descreveu o caminho senti medo de novo, porque era o mesmo que eu, aleatoriamente, havia escolhido fazer naquele dia, sem mapa, sem noção alguma de Paris ainda. E que, para voltar do Jardim para a Praça, ele fazia um segundo caminho, menos charmoso mas mais rápido, novamente o que eu havia escolhido fazer.
Isso me impressionou, comentei com Lid e com algumas pessoas, Flora me mandou o texto do Caio, enfim, já tava bonito. Mas teve mais. No dia seguinte à leitura desse capítulo do livro, fomos para Montparnasse. Também adorei, e fui escolhendo lugares aleatórios para pararmos, para tirar fotos, para flanarmos. Pois bem, chego em casa de noite, retomo a leitura e tá lá, o homem e sua família, na sua segunda rodada em Paris, se mudaram para Montparnasse, moraram exatamente no trecho em que rodamos, ia nos restaurantes e cafés que me encantaram. Tava começando a achar estranho mesmo. Mas deixei quieto.


Nos dois últimos dias, eu e Lid resolvemos nos presentear com dias mais livres, voltando aos lugares que mais tínhamos gostado. E no último dia fomos novamente para a Mouffetard e para a Place de Contrescarpe, queria almoçar no restaurante verdinho simpático. Pra evitar muita contaminação com o livro, porque já estava meio impressionada, optei por irmos por um novo caminho, bem mais longo, mas que nos fez conhecer novas e agradáveis ruas. Quando chegamos na rua Descartes, já por volta das 16h, procurei o restaurante verdinho e vi que ele estava fechado, na hora da limpeza. Nos aproximamos pra ver melhor, pra ver que horas abria etc. E quando cheguei perto, vi uma placa na entrada, INDICANDO QUE ALI HAVIA MORADO HEMINGWAY. A minha cara na foto abaixo indica meu pavor.


Juro, fiquei com medo, era coincidência demais. Um pouco por conta disso, em parte pela grosseria do garçom que jogou água na gente para continuar lavando a calçada (hahahahaha, franceses!), optamos por almoçar em outro restaurante, na Place Contrescarpe, que, OBVIAMENTE, era colado ao prédio em que Hemingway morou na rua Cardinal.





Alguém me explica? Tô impressionada até agora. Depois, com calma, vou até ler os outros livros desse homem, porque parece que ele quis falar alguma coisa comigo.
Amei Paris, e amei especialmente os lugares que ele amava. Tamo junto, Hemingway! Jamais esquecerei essa experiência mística.