Karina Limeira Brandão, mais conhecida como anaenne:
Terminei de ler o belíssimo e comovente O arroz de Palma, romance de Francisco Azevedo sobre memórias familiares (Rio de Janeiro, Record, 2008). Chorei em vários trechos. Muito, muito sensível mesmo.

Como já disse antes, ando interessada em livros de memória, para o curso que eu e Marildo daremos na pós no segundo semestre de 2011. Tenho lido muitos, e cada um tem sua especificidade. Mas tenho me dedicado em especial a memórias familiares. Nesses, alguns eixos acabam tendo importância, me lembrando muito Michel de Certeau. São modos de falar, de cozinhar, de dispor dos objetos, de ocupar os espaços... fazendo uma certeira mistura de casos particulares com narrativas universalistas. Cada família é uma, mas ao mesmo tempo encerra arquetipicamente a todas.

Em Arroz de Palma, estão lá todos esses modos de fazer com... Em especial, maneiras de cozinhar, que funcionam como metáforas para o próprio viver. Totalmente atravessado por pistas culinárias, o livro indica que o guardião da arte de preparar os pratos tradicionais da família é também o guardião das memórias da mesma, o que tempera, o que deve buscar os sabores e preparar a família "a moda da casa".

O livro mexeu comigo não só pelas memórias familiares, mas exatamente por esse atravessamento da arte culinária. Tenho descoberto, nos últimos tempos, que gosto de cozinhar tanto quanto gosto de dar aulas. Ou seja, é misto de paixão e vocação. Tenho aprendido e me desafiado com coisas novas na cozinha, estou testando receitas, buscando novos pratos, aprendendo e me recriando. Adorando, sempre. Nem sinto o tempo passar. Mas no fim de tudo, o povo prova os pratos todos, elogia, incentiva, mas vibra mesmo, sempre, desde vinte anos atrás, com meu arroz. Sim, meu arroz, esse prato simplicíssimo, é o meu maior sucesso em termos culinários. Não tem quem não elogie, todo mundo baba por ele...

Sei não, mas me lembra muito minha relação com o ensinar. Posso variar as matérias, buscar coisas novas, estudar, aprender, me aprimorar. Mas o povo gosta mesmo é do meu arroz, qdo dou os clássicos, ensino o básico, vou lá na raiz, dou o melhor de mim no partilhar do aprendizado, dou a melhor de minhas aulas. Aí, num tem quem não elogie, todo mundo baba por ela... :)))))

Pra terminar, trecho muito legal do livro, que já me servia de mantra pra vida de forma instintiva, mesmo antes de ser verbalizado e sintetizado no parágrafo que se segue:

"Cedo descobri que o que mais queria na vida era o poder. O poder estar sempre com as pessoas que eu amo, o poder andar despreocupado pelas ruas, apreciar cenários, paisagens, bichos, gente que passa. O poder tomar outro caminho só porque naquela direção um verde me despertou a curiosidade. O poder trabalhar no que me alegra. O poder ser dono do meu tempo e fazer o que quiser sem precisar me aposentar. O poder estar disponível para quem está perto e precisa. O poder ter certeza de que o abraço recebido é de afeto e não de interesse. O poder ser eu mesmo e envelhecer saudável. Céus, como ambiciono todo esse poder" (p. 235).