Karina Limeira Brandão, mais conhecida como anaenne:
Quando Hermann Hesse, escritor alemão, foi contemplado com o Prêmio Nobel de Literatura, ele escreveu ao seu amigo de longa data Thomas Mann dizendo: "E muitos velhos leitores meus alegraram-se porque agora fica claro que a fraqueza que tinham por mim não era apenas um pecado" (HESSE, Hermann e MANN, Thomas. Correspondência entre amigos. Rio de Janeiro: Record, 1975:87).

Pensei nisso quando recebemos, essa semana, a maravilhosa notícia de que a tese da minha querida Flora Daemon, já publicada em livro pela Garamond em 2015, Sob o Signo da Infâmia. Das violências em ambientes educacionais às estratégias midiáticas de jovens homicidas/suicidas, que tive o prazer de orientar, foi contemplada com Menção Honrosa no Prêmio Capes de Teses 2015. Flora (comigo a reboque, hehe) recebeu muitos parabéns, o que muito nos honrou. Mas o prêmio, a meu ver, só deixou claro o que eu já havia dito muito antes, desde que terminei de ler o material que ela havia me enviado: trata-se de uma tese excepcional, feito com coragem e talento.

Sobre a tese, digo de novo: é excepcional, é pra todo mundo ler! Quem quiser saber o que penso dela mais detalhadamente, pode ler, na íntegra, o doce e orgulhoso prefácio que tive a honra e o prazer de escrever para o livro: link aqui. Como explico por lá, na tese a autora "escolheu compreender o que leva jovens a optarem por gravar seu nome na história a partir de atos infames, praticando o que Flora Daemon tão bem conceituou como crimes que envolvem “estratégias comunicacionais de inscrição post mortem”. Trata-se, em geral, de ações praticadas em lugares públicos, como escolas, em que esse jovens atiram em várias pessoas, deixando um rastro de mortos e feridos, culminando sua performance com o suicídio. E que têm em comum, além dessas características, o fato de envolverem a produção do que a pesquisadora chamou de “pacotes midiáticos”, que são disponibilizados das mais diversas formas (...)". Como digo ao fim do prefácio (na verdade, um pósfácil, porque o livro fala por si), trata-se de"uma leitura imprescindível para todos, porque precisamos de mais humanidade, mais compromisso, mais complexidade, mais reflexão".

O prêmio, como brincou Hesse a respeito do seu Nobel, confirmou a todos que "a fraqueza que eu tive pela tese não era apenas um pecado". :) Trata-se de trabalho urgente e definitivo sobre o tema, que precisava ser encarado de frente. Flora Daemon deu show! Agora até a CAPES e o mundo sabem. ;) Eu já sabia.

Mas para além da alegria com essa premiação e a possibilidade de fazer o comentário jocoso aí em cima, hehe, as congratulações me fizeram pensar também sobre essa coisa de orientação. Não sou uma orientadora das mais mais. Não é falsa modéstia, não falo isso pra colher louros, sou ariana, preciso disso, não. Por exemplo, sou uma professora de excelência, sei disso, me dizem isso e sei disso. Mas como orientadora tenho lá meus percalços, não escondo de ninguém, não é das atividades acadêmicas que mais amo no mundo. Tenho dificuldade de me concentrar no tema dos outros (Flora Daemon sabe disso como ninguém, hahaha), não respondo prontamente a emails, não tenho paciência com dramas exagerados de orientandx, acho tudo meio chato, enfim, como disse, sou ariana antes de ser orientadora, hehe. Aí fiquei cá comigo se merecia mesmo esses parabéns que recebi a reboque do prêmio justíssimo de Flora, porque foi um trabalho tão autônomo, tão próprio, tão autoral...

Mas depois fiquei pensando que tenho três características como orientadora que talvez estejam aí merecendo uns aplausos mesmo: 1) sempre procuro garantir a autonomia dx orientandx pra que elx, de fato, desenvolva seu potencial no ritmo e do jeito que elx achar melhor. Na medida do possível (porque a mesma CAPES que premia é a que verga o chicote, né?), ou seja, dentro das cobranças e prazos cruéis, procuro entender as temporalidades do povo que cola comigo nessa viagem maluca de orientação, o jeito de escrever, as escolhas teóricas e metodológicas, as afinidades acadêmicas, mesmo as contradições e confusões. Tento, de todo meu coração, reconhecer e respeitar as idiossincrasias e não pressionar ninguém. E procuro lembrar que é só um TCC, só uma dissertação e só uma tese, não é a vida, que é bem maior do que isso e não cabe no Lattes. Em geral, dá certo! ;); 2) não me furto a encher orientandxs de afeto. Acho que afeto move o mundo, nos faz melhor, por isso não economizo. Algumas vezes quebro a cara, mas é da vida. Em geral, isso rende mais do que bons trabalhos, rende maravilhosas amizades para a vida toda; 3) por fim, sempre leio TUDO e ATENTAMENTE. Faço revisão, faço crítica, dou sugestão, elogio. Leio várias vezes. Oriento pra valer. Posso não ser a rainha da paciência nem da concentração em relação ao que o outro está me falando, mas meus orientandxs sabem que podem contar com minha leitura, comentários, dicas.

O resultado disso tem sido muito bom. Não é a coisa que mais amo fazer, tal de orientação, mas no geral os frutos são saborosos e belíssimos. Vide aí o prêmio justísimo da Flora. Quando a gente consegue encontrar nxs orientandxs um pouco disso tudo aí, autonomia, interesse pela pesquisa, espírito crítico, criatividade, investimento, vontade de mudar o mundo, junto com afeto, caráter e amizade, tiramos a sorte grande. Por vezes num rola e os sentimentos são de decepção, ingratidão e desilusão. Doem, mas acontecem pouco e passam rápido. No geral, pela soma de tudo, vale muito a pena. Mesmo pra uma ariana impaciente e desligada. Florite, te amo, esse prêmio é seu, você merece muito, eu já sabia, que bom que agora todo mundo sabe que essa fraqueza de elogiar sua tese num era apenas um pecadinho meu. ;))))