Karina Limeira Brandão, mais conhecida como anaenne:
Resolvi inaugurar uma nova série, "Acorda Niterói". Porque dia sim, dia também, algo na cidade, em franca decadência, morrendo diariamente, tomada por ações inescrupulosas, me desilude, desanima, irrita, revolta... então vamos falar, vamos pensar juntos, vamos resmungar, vamos ver se agimos, porque está ficando realmente difícil.

Hj quero falar do recente episódio Wolney Trindade, até então Secretário de Segurança e controle urbano. Pois então: Wolney resolveu, a revelia da população, fechar as praças da cidade por "medidas de segurança".

Começou com o Campo de S. Bento, principal área verde e de recreação da cidade, de grande circulação, principamente usada por crianças e idosos. Seus portões estão sendo fechados às 19h (em pleno horário de verão) e durante a semana os portões laterais (da Domingos de Sá e e da Lopes Trovão) permanecem fechados o dia inteiro. O vereador Renatinho, do PSOL, solicitou ao Secretário a reabertura, em nome dos idosos, dos deficientes físicos, das mães com carrinhos de bebê etc., que diariamente fazem enorme uso dessas entradas.

A resposta já é de conhecimento público, mas não custa lembrar: é inacreditável. Wolney manda os idosos andarem mais, porque é bom pra saúde; diz que os portões vão ficar fechados até ele morrer; que os incomodados devem procurar outro lugar para visitar; dentre outras falas, mais apropriadas para um xerife do velho oeste do que para um FUNCIONÁRIO PÚBLICO pago com o dinheiro do contribuinte. Veja aqui a íntegra da resposta de Wolney, para conferir com seus próprios olhos o teor da resposta.

A população berrou. Está organizando hoje, dia 6 de fevereiro, domingo, ato público na entrada da Gavião Peixoto, com abaixo-assinado e manifestação exigindo a reabertura dos portões e a saída do Secretário. Além disso, muitos moradores, em seus prédios e estabelecimentos comerciais próximos ao CSB, estão recolhendo assinaturas para o abaixo-assinado. Finalmente, Niterói volta a se mexer um pouco contra os desmandos na cidade, sempre contra os desejos populacionais. Veja a cobertura do Globo sobre os protestos aqui.

Mas a sanha do Secretário contra os espaços públicos, de lazer e de socialização popular não termina aí. Ele também anunciou que pretende gradear e fechar a praça Leoni Ramos, conhecida como Praça da Cantareira. Fiquei pasma!!! Em primeiro lugar, pela desfaçatez dessa notícia. Gente, olha o tamanho daquela praça, que medida é essa - e com dinheiro público para custear as grades? Ele alega falta de segurança e problemas com o tráfico de drogas. Numa praça daquele tamanho qual seria o problema em fazer um policiamento, um sistema mínimo de segurança?

Mas a questão é bem mais grave e complexa do que isso. A praça da Cantareira é hoje o ÚNICO espaço realmente democrático para os jovens da Niterói se divertirem. Ponto de aglutinação de estudantes das universidades da cidade, tanto da UFF quanto das particulares que se distribuem no Ingá e no Centro, como a Maria Thereza, a Estácio e a Universo, é um reduto boêmio e festivo, com bares com pizza a dez reais, cerveja barata, shows, apresentação de dança, poesia, funk, samba, protestos políticos, eventos estudantis etc. Os que preferem ou estão mais sem grana, não ficam nos bares no entorno da praça, mas sentam em seus bancos e murinhos, consumindo uns comes e bebes dos ambulantes que já se consolidaram há anos ali. Portanto, é um espaço vivo, já consagrado, importante para a socializaçao da comunidade acadêmica de Niterói, especialmente para as muitas repúblicas estudantis do Ingá e de S. Domingos, que não teriam NENHUM outro lugar de diversão e socialização se não fosse a Cantareira.

Já tive meus vinte anos há vinte anos em Niterói. Tínhamos tantos espaços de socialização, tantas opções culturais, bares alternativos, teatros, cinemas etc. Foram matando tudo aos poucos, os cinemas e teatros sendo fechados, os bares sendo substituídos por esses fakes de classe média, careiros, todos com essa cara feliz da burguesia estúpida que de certa forma passou a dominar a cidade. Isso tudo acabou, Niterói passou a ser um nada cultural, repito: UM NADA CULTURAL. A Cantareira é, neste sentido, uma sobrevivente. Debilitada, é certo, depois que a própria sede da Cantareira, que funcionava como uma lona cultural, com shows, eventos, feiras artesanais e de alimentos, foi fechada e transformada em mais uma boate mauricinha, em uma vergonha que tivemos que engolir, sem quem nenhuma autoridade pública intervisse. Mas ainda assim, a Cantareira resistiu. E agora assistimos à tentativa de matá-la definitivamente.

Muitos perguntam: será coincidência que o fechamento da praça da Cantareira seja proposto quase concomitantemente à construção de blocos de prédios de classe média na área do Clube Gragoatá? A quem parece interessar a transformação de um espaço vivo, alegre, vibrante e noturno em mais uma pracinha passiva e morta para consumo visual da classe média? Acho que precisamos pensar nisso.

Os moradores e usuários das praças estão reagindo. O ato do Campo de São Bento é exemplo disso. Também na Cantareira já se realizou ato público de protesto, na quinta-feira, dia 3 de fevereiro. Precisamos "estar atentos e fortes", como aprendemos com os tropicalistas, não esmorecer nessa luta, impedir esses desmandos.

Estão tentando matar Niterói. Isso é visível e será tema de outros posts futuros nesta série que inauguro agora. As praças são o pulmão e o coração das cidades, espaços de circulação e de encontros da população. Aprendemos com Bakhtin que as praças são locais privilegiados da cultura popular, elas pulsam, são essenciais para que a população respire, se encontre, interaja, resista. Por duas vezes, tentaram já atingi-las (quando quiseram fazer garagens subterrâneas na Getúlio Vargas e no próprio Campo de São Bento), mas a população reagiu e impediu essas ações. Ou seja, até agora, foram nas praças e sobre elas que os moradores de Niterói se solidarizaram e agiram. Isso indica claramente seu potencial de ação pública e de resistência.

Não à toa, estão tentando matá-las. Também por isso, precisamos impedir suas mortes. Acorda Niterói!
4 Responses
  1. EXCELENTE! Como eu disse durante a semana no Facebook: não sei exatamente o quanto é eficaz a minha expressão, mas tenho convicção de que meu silêncio é uma espécie de consentimento.
    O cerco aos espaços públicos, a cidade para fins mercadológicos, precisa de limite. BASTA!


  2. Diego Dacal Says:

    Fechar praça por fechar praça, seria melhor fechar aquela do gragoatá, que ao meu ver é muito mais perigosa. A ideia é acabar com esse espaço de convivio que desde que fui pra niteroi falam que isso irrita muito os moradores do entorno. Tenho que assumir, o som é ABSURDAMENTE ALTO, mas o espaço nao pode acabar por isso. Definitivamente nao pode.
    Enfim, eu tenho ideias radicais, se a populaçao que usa a praça falar em massa que nao é pra fechar, e eles mesmo assim fecharem, que arranquem-se as grades!
    Isso é uma coisa que aqui em Barcelona é levado muito a serio, se uma comunidade quer modificar algo da paisagem urbana que ela faz uso, eles se reunem e o governo atende prontamente a demanda deles, se for viavel, claro.


  3. Que modelo de cidade é essa, higienista e mercantilizado? uma cidade morta pela especulação imobiliária e por um ideal de ordem urbana que é um atentado à cultura e à vida democrática! Belo e necessário artigo, Gil, parabéns!
    E lembrando Castro Alves: a praça é do povo como o céu é do condor! Vamos à luta!


  4. Caio Says:

    Urge, no entanto, lembrar-nos de que: primeiramente o campo de são bento hoje, não é mais o de antigamente e temos: assaltantes, consumo de maconha, crack, venda dos mesmos e outros (muuuitos outros) e diversos moradores de rua, no caso, de parque (piadinha infame).
    Não é, claro, fechar que resolve, mas sim policiar, cuidar, melhorar.
    E aí vem o segundo ponto em que quero tocar: a cantareira tem os MESMOS problemas, só que exacerbados pelo caos inerente da juventude vislumbrada com seus 18-24 anos. Vale ressaltar que já houveram assassinatos, inúmeros furtos e desrespeitos às leis urbanas. Recuo, pontos de venda, vendedores ambulantes, todos cagam pras leis que eles mesmos se beneficiariam em respeitar. no entanto, como disse antes. não é fechar que resolve, mas policiar, cuidar e zelar.

    Não vivemos em um estado anárquico e estamos TODOS sujeitos às leis feitas por todos os legisladores que estão e estiveram lá graças aos NOSSOS votos. Então, em suma: votem direito, ou peguem em armas e façam a revolução. Do contrário, amigos, entendam que vivemos onde vivemos, e concordar ou discordar de quem manda não é o caminho. Opinião, todos temos, queridos, mas para isso temos muito melhores referências. maquiavel, bakunin, adam smith ou marx nos mostram que ideias não (me desculpem, mas), não mudam o mundo. E sim ações.
    Querem a mudança? esperam quatro anos, ou tirem a bunda do computador twittando, compartilhando no facebook, e se pseudo politizando e abram a porra do portão com um alicate de bombeiro.(o mesmo usado para roubar bicicletas no campo de são bento) ;)