Karina Limeira Brandão, mais conhecida como anaenne:
Terminei de ler a biografia de Lobão, Cinquenta anos a mil, escrita por Lobão com Claudio Tognolli, com edição de 2010 da Nova Fronteira (aliás, que edição mais descuidada, vou te falar! Tem erro de impressão, coisas mal corrigidas, enfim, livro caro q merecia mais esmero editorial). Ganhei de presente de minha amada amiga Xu nessa fase complexa e me distraiu horrores.

Primeiro coment: li no FB coment de alguém (é público, né?) dizendo que alguém tinha lido essa biografia e concluído que Lobão não tinha nada para contar. Oi?

Bem, nem preciso dizer q acho de uma arrogância super vc ler a vida de alguém e achar q a pessoa num tem nada pra contar. Eu tenho realmente muito espírito de antropóloga, tenho q confessar. ;) Toda vida humana me interessa, sempre.

Mas nesse caso a afirmação é bem esquisita. O cara tem uma vida cheia de peripécias, é um sujeito complexo, tem uma relação familiar bem confusa, a mãe se suicida, ele tem experiências fortes com doença, remédios, coisas mágicas, drogas, criação etc. e a pessoa conclui que ele num tem nada pra contar??? Vou te falar, num entendo esse povo, não.

Mas vamos aos coments sb o livro em si: gostei bem. Num é uma brastemp de bem escrito (e a edição porquinha num ajuda mt). Mas que personagem! Bem fascinante mesmo. Realmente, cinquenta anos a mil, eis um título!

O que mais me impressionou, no entanto, não foram as peripécias de Lobão, e olha que não são poucas! Mas ter no livro mais um exemplo, e um dos mais eloquentes, de como o Estado pode agir, através de seus mais diversos tentáculos institucionais, e marcar sujeitos sociais não convencionais com seus ferros mais duros. A passagem acerca da prisão de Lobão, os processos posteriores, a ação da polícia em seus shows, a cobertura da mídia acerca de suas falas e ações mostram claramente um contínuo de arbitrariedades e clima inquisitório, que faria um sujeito mais ajustado balançar, imagina um que já vinha de um histórico familiar e de vida meio desequilibrado...

Na passagem em que narra sua condenação por porte de drogas, mesmo sendo réu primário e ter sido preso com uma quantidade pequena de entorpecentes, vale destacar a fala do juiz que o condenou"(...) o acusado, mesmo sendo tecnicamente primário, já registra antecedentes, não tem boa personalidade, nem conduta social" (p. 333). Ou seja, sua condenação deve-se, como se vê, principalmente a seu comportamento "não ajustado", embora não criminalizável.

Gostaria de destacar especialmente esse trecho: "E tudo isso iria pesar sobremaneira na apelação da sentença, que receberia um parecer contrário, pois o procurador (...) alegou em seu parecer ter lido uma entrevista minha concedida ao Jornal do Brasil, na qual dizia ter mantido uma relação incestuosa com minha mãe e ter dado a maior força para ela se suicidar. Simples, né? Para o emérito procurador, eu seria um "portador de uma conduta social desajustada e de personalidade deformada", e ele ainda elogiou a sentença do juiz (...), definindo-a como "correta e minuciosa", graças aos meus maus antecedentes e péssima conduta"."(p. 350).

Sabe o que me lembrou? O Estrangeiro, do Camus. Principalmente porque, neste livro, pesa sobre o acusado, tanto ou mais do que a história do crime em si, suas atitudes "estranhas", como não chorar no enterro da mãe, sair toda hora para fumar, ir numa piscina pública no dia seguinte ao enterro... Me lembrou também Pureza e perigo, de Mary Douglas, e as reflexões de Bauman sobre os impuros e indesejáveis. Num sei, se rolar paciência transformo esse post num artigo acadêmico. Mas já deixo plantadinha aqui a semente da reflexão.
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4 Responses
  1. Este comentário foi removido pelo autor.

  2. DFDOWN Says:

    Tb li e tb gostei. Principalmente de saber como cancoes que tanto marcaram a minha vida foram escritas. A passagem pela policia e de uma sinceridade chocante, fora o absurdo sentenciamento que vc cita ai em cima. Tb gostei da atitude dele contra o sistema das gravadoras, seu posicionamento politico e independencia. E incrivel que uma figura que passou pelo que ele passou esteja ai firme e forte, produzindo e causando polemica. O livro me fez muito bem. Me fez lembrar dos primordios do circo, das noites cariocas e de voce tocando violao e a gente cantando cena de cinema. Lembra?


  3. Pat, claro q lembrei mt da gente, daquele tempo, na puc, daquelas músicas. Tocava mt Lobão (e tb Paralamas, e confesso q depois do livro passei a achar meio parecido mesmo). tempos maravilhosos e saudosos! Sabe q me identifiquei super com ele na infancia? jogando botão, autorama, lendo, eu era mt assim... :))) e concordo com tudo o q vc disse acima sb o personagem. bjos, saudades, adorei seu coment. Venha sempre!


  4. Lu Ribeiro Says:

    queria muito ler a biografia dessa pessoa q acha q Lobão num tem nada pra contar, de preferência uma versão não autorizada...rs... Até a biografia da Lili Marinho eu gostei, o texto é totalmente edição paulinas, mas o lance do romance dela com o Roberto eu achei super bonitinho, ela ja tinha, sei lá, 35 anos de casada qd ficou viúva e foi cortejada por ele e ele dava demonstrações de que esteve de olho nela durante todo esse tempo lembrando coisas do tipo 'no reveillon de 19ecacetada, na casa da socialite tal vc estava deslumbrante com aquele vestido assim assado'...panhei amizade!
    qt a sentença do juiz fica claro q até pra ser condenado é preciso ter sorte, no 'meu nome não é jonhy' em q, aparentemente, o protagonista tem uma história de vida bem mais fácil e menos traumática a justiça teve lá um lado mais brando (dentro das possibilidades)...