Karina Limeira Brandão, mais conhecida como anaenne:
Algumas observações pós o histórico dia 17 de junho e a manifestação dos mais de cem mil no Rio de Janeiro na "revolta do vinagre" ou dos vinte centavos:




Hoje, com mais tranquilidade e com ajuda do teclado do computador, pois ontem estava postando do tablet e do celular, posso escrever com mais calma. 

Quando recomendo que as pessoas tenham calma e não tirem conclusões levianas a partir de imagens e informações divulgadas pela mídia tradicional, desde muito alinhada aos poderes do Estado opressor e do Capital soberano, não estou dizendo, EVIDENTEMENTE, que aquelas imagens não existiram. Quando digo que as pessoas devem ouvir e ver outras fontes, imagens, depoimentos etc. porque a mídia gorda, como a globo e outras grandes emissoras, mente, não estou dizendo EVIDENTEMENTE que tudo o que passa na tevê é mentira. 

Mas só estou chamando a atenção para alguns aspectos importantes: 

1) narrativa envolve enquadramento, posição de sentidos, escolhas de ângulos e de estratégias enunciativas. Pô, sabemos disso perfeitamente quando vamos contar pra um namorado/a algo que sabemos que pode provocar uma briga que não queremos. Escolhemos o ângulo, a ordem dos fatos, engolimos algumas partes, enaltecemos outras etc. São estratégias da produção discursiva. Sabemos disso perfeitamente em casos pessoais. POR QUE ENTÃO AS PESSOAS INSISTEM EM DESCONHECER QUE ISSO É CONSTITUTIVO DE TODA NARRATIVA? Por que diabos pessoas capazes e críticas da minha TL se transformam em obtusas e teimosas defendendo que as imagens que assistem na tevê são VERDADEIRAS? Pô, não entenderam ainda que é narrativa, que revela posições e interesses, que inclui trabalhos de construção de memória, projeto e identidade? Assim fica difícil um mínimo de diálogo porque parece que vc está conversando com um cientificista do século XIX que fica berrando "A VERDADE, A VERDADE", "A NEUTRALIDADE, A NEUTRALIDADE", "A OBJETIVIDADE, A OBJETIVIDADE"... AH, PARA!!!! isso no século XXI, com todas as teorias do discurso, desconstrução dessas ideias tendo bombado, redes múltiplas de discurso nos mostrando o quão frágil é a ideia de verdade... Na boa, pára! Fica feião ; 

2) todo sentido é construído e disputado. Quanto mais se tem posição e interesses definidos na luta, mais há um esforço pra fechar o sentido. É isso que a mídia tradicional faz, mais ainda. Ela fecha o sentido, pra ganhar a disputa e impedir a multivocalidade. Assim, ela apresenta um ângulo só, uma versão transformada em verdade, e não dá voz aos movimentos polifônicos e dialógicos que compõem o discurso. Exemplificando, pra todo mundo entender: tá lá o povo tacando fogo na ALERJ. Ok, vandalismo de patrimônio público, segundo a mídia. Mas deveriam caber uma série de perguntas antes de fechar o sentido, se é que dá pra fechar: Mas quem começou? Quem são aquelas pessoas tacando fogo? Qual o seu lugar na manifestação? Eram manifestantes? Eram infiltrados? Qual o papel da policia? Por que ela estava acuada? Onde estava a policia? Escondida? Como a mídia gorda, rede globo, por exemplo, pode ter chegado a tantas conclusões verdadeiras e definitivas de cima de um helicóptero? O q significa a globo tirar a identificação do seu microfone, equipamentos, repórteres? Vc falaria com a globo se soubesse que era ela? Vc falaria a mesma coisa q falou achando que era para uma mídia alternativa? Quem a grande mídia ouviu? Ouviu pessoas envolvidas, manifestantes, policiais, transeuntes? A quem interessa as imagens de vandalismo no fim de uma mega passeata com 100 mil pessoas? O q vale mais: o patrimônio ou a vida humana? O que significa vandalismo? Qual o sentido moral da palavra vândalos na história da conquista ocidental? Por que se optou por essa palavra para classificar as ações mais violentas nas passeatas? Quem foi baleado? Quem atirou? Eram balas de q tipo? Quem de fato quebrou as janelas do Paço, as pessoas ou as balas? Quem foi preso? Por que um fotografo e estudante de jornalismo foi preso e autuado por formação de quadrilha? Por que a mídia gorda parou de mostrar a multidão pacifica que ainda protestava na Cinelândia e só focou no tumulto? A quem interessa a imagem de uma passeata "pacifista"? A quem interessa a imagem de uma passeata de "vândalos"? Qual o contexto de opressões cotidianas que podem levar alguém a um ato violento? Qual o papel da violência? Quais os jogos e interesses políticos em torno de uma mobilização social como a de ontem? Não seria importante ver outras visões, ângulos, fontes, imagens, testemunhos antes de chegar a qualquer conclusão? Olha só quantas perguntas, dentre muitas outras que poderiam ser feitas, só listei as que me vieram mais imediatamente aqui. 

Pô, frente a essa multidão de perguntas, como alguém pode abraçar e se conformar com um ponto de vista só, construído a partir de interesses, sabendo que a narrativa é sempre uma disputa? Desculpe, vc se passa de indignado e dono da verdade, mas vc só é bobo e enganado. Abra sua cabeça, pense melhor, veja o mundo! Ele é complexo, num cabe em simplificações, ele requer que a gente escute, veja, pondere, sinta, reflita para balizar nossas posições críticas. E muitas vezes mudar de lado, relativizar, ter dúvidas. Assim crescemos todos.




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