Karina Limeira Brandão, mais conhecida como anaenne:
Sobre o pronunciamento da presidente Dilma, achei previsível. Se declarou favorável às manifestações democráticas e pacíficas. Prometeu reprimir o vandalismo para restabelecer a ordem. Se mostrou aberta ao diálogo. Prometeu pacto social. Sugeriu medidas para resolver alguns problemas. Lembrou da importância de realizarmos uma copa ordeira e sem incomodar os visitantes. Enfim, falou o que um chefe de Estado deveria falar para acalmar a nação em um momento complexo e perigoso. Nesse ponto, tudo bem, tudo certo. Era isso mesmo que precisava ser feito. Ponto para o governo.
Mas queria tecer algumas considerações:
a) Acho lamentável que o governo incorpore os termos “vândalos” e “baderneiros” constituídos estrategicamente pela mídia hegemônica sem prometer investigação sobre quem seriam esses sujeitos etc. Acho isso perigoso em termos de fechamento de sentido e vergonhoso para um Partido com a história política do PT;
b) Acho lamentável falar-se em democracia etc. e não se colocar uma só palavra sobre a ação das polícias. Isso é uma omissão calculada e imperdoável, aí não só para uma presidente e um partido com a história de ambos, mas para qualquer autoridade constituída. O que as polícias estão fazendo nas ruas, como demonstram MILHARES de depoimentos e centenas de imagens, é crime. E quando uma autoridade instituída se cala sobre uma ação criminosa perpetrada pelo Estado ela é tão criminosa quanto. Já tinha falado isso antes, em episódios como Pinheirinhos etc. Para mim, sinceramente, isso é imperdoável. Não sei vocês, mas eu nunca esquecerei esse silêncio;
c) Militei muito pelo PT. Votei nele continuamente. Inclusive em todas as eleições do Lula e na da Dilma, por quem inclusive fiz campanha aqui. Então me sinto totalmente livre para falar, porque não sou anti petista, anti lula etc. Também não sou simplificadora, sei que é incomparável o quanto o país avançou em alguns pontos em relação ao governo FHC, e não tenho dúvida que o PSDB é MUITO PIOR para o país. Vejo ganhos sociais óbvios para a democracia no bolsa família, na política de cotas,  na área das políticas culturais (embora mais nos governos lula), na ascensão econômica de alguns setores da população etc. Mas isso não me torna cega e impossibilitada de criticar o que vejo de problemas no governo do PT. Acho que se trata de um governo contraditório, com alianças políticas imperdoáveis principalmente por sua história e pelo quanto elas são perniciosas ao país (Cabral, Paes, Sarney, Collor, Renan etc.), com ações totalitárias disfarçadas de democráticas (vide o que aconteceu na greve dos professores no ano passado), que tem servido fortemente ao grande capital, que beneficia banqueiros, mega empresários, grande corporações midiáticas e econômicas, que abandonou sua juventude militante, que tem sido omissa em aspectos imperdoáveis, como a violência policial, a falta de políticas públicas para resolver de fato as questões de saúde e educação, combate à corrupção e outros pontos complexos, como o crescimento da influência de setores particularistas e sectários como bancada religiosa, bancada ruralista etc. nas decisões políticas. Sim, neste sentido vejo que o PT trouxe ganhos para o país, mas também retrocessos e permanências. E quero ter o direito de poder falar sobre isso, sem maniqueísmos. E quero ter o direito de dizer que como militante deste Partido me decepcionei profundamente com ele. Mas eu era mais jovem, agora sou mais cascuda e isso também tem ganhos e perdas, sou mais cética e cínica, o que me permite análises menos apaixonadas, mas para compensar mais tristes. É isso, entendo politicamente boa parte das ações do PT, por vezes até as defendo porque entendo melhor as regras do jogo, mas considero algumas imperdoáveis (a omissão quanto à violência policial é uma delas) e me dou o direito de expressar minha tristeza com essa desilusão. Me sinto muito triste porque no poder o PT não foi o partido que alimentou meus sonhos de juventude.
d) Por fim, mesmo com o parágrafo anterior, sei que política é isso mesmo. Tem movimentos, concessões e negociações complexas e escorregadias. Assim sendo, voltarei à fala da Dilma ontem. Acho que o PT, mestre histórico pela experiência acumulada nos movimentos sociais e nessa década de poder instituído, sabe como poucos partidos faturar em cima da pauta dos movimentos sociais. Acho que o pronunciamento de ontem mostra isso claramente. Questões como pacto social, plano de mobilidade urbana, projeto dos cem por cento do petróleo para educação, proposta de trazer médicos cubanos para o país, os gastos com a copa etc. já estavam em jogo, despertando polêmicas justas porque são contraditórios, mostram muitas vezes um empenho de agradar o capital, em outras se mostram de fato projetos para melhorar condições sociais. Enfim, projetos complexos, que precisariam de maior debate social. Só para citar um exemplo: os cem por cento para a educação. Que educação? A pública, que continua sucateada apesar de discursos e programas como o REUNI? Ou a privada, que tem sido muuuuuito privilegiada nos últimos tempos? E como ficam os municípios que sofrem diretamente o impacto da exploração do petróleo? Não serão indenizados para que possam tentar mitigar esse impacto?  Então, precisamos discutir isso, como muitos têm sinalizado. Agora, quando a presidente coloca esta fala em um discurso apaziguador, em meio a uma tensão social ansiosa e aparentemente explosiva, me parece uma clara estratégia de faturar em cima dos acontecimentos, forçando uma aprovação emocional à proposta a partir do clamor popular. PT é uma raposa velha no campo político, sabe como poucos faturar em cima de episódios de forte impacto midiático. Repito: assim como na greve dos docentes universitários do ano passado, o partido silenciou primeiro, depois deslocou a pauta, contou com a expressiva fala da grande mídia fechando os sentidos e conquistando a opinião pública, prometeu diálogo, fingiu dialogar e nunca dialogou e depois aprovou o que quis. Rolo compressor sim, às custas de luta nas ruas/universidades, mídia hegemônica a favor e artimanhas políticas e discursivas. Não considero isso uma novidade nem uma surpresa, acho que faz parte do jogo político e considero que o PT é um mestre nesse tipo de jogo. Por isso disse que era previsível. Sobre essa parte nem me decepcionei nem fiquei triste, acho que é isso mesmo, faz parte da luta política faturar em cima dos episódios. E temos de reconhecer: esses caras são bons nisso.
e) Além disso, é preciso também estar atento a artimanhas que poderiam favorecer ações golpistas. Isso, obviamente, não podemos tolerar. Neste sentido, fechamos com o PT, como fecharíamos, democraticamente, com partidos eleitos dentro do jogo democrático. Mas isso também não nos impede de perceber que esse tipo de ameaça e pressão também é ambígua, porque se por um lado nos obriga a rechaçar ações e atitudes golpistas, também permitem que o partido forcem uma aprovação temerosa a suas propostas, visando fortalecer o poder instituído. Neste sentido, o medo de golpe que ameaça também permite que se fature sobre ele.

f) Enfim, agora bora cobrar as promessas etc. Mas elas não são novas, né? Já eram de campanha etc. Mas nem por isso acho que as mobilizações não têm ganhos. Sobre isso, falei no post anterior, e tá tudo no meu blog pra quem quiser acompanhar meu argumento todo.